De 'barulhaço' a indiferença: No Rio, duas reações a fala de Cunha na TV
Tinha tamborim, corneta, batuque em
latinha de cerveja e até flauta doce apitando na praça São Salvador, na
zona sul do Rio de Janeiro, durante os dez minutos concentrados de
"barulhaço" contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha,
enquanto o peemedebista fazia seu pronunciamento em rede nacional.
Mais
de mil pessoas haviam confirmado sua participação no evento no bairro
do Flamengo pelas redes sociais, mas cerca de cem se reuniram para
protestar durante o pronunciamento, enquanto dezenas de outros seguiam
tomando suas cervejas na mureta do tradicional reduto boêmio do Rio.
Aquele
foi o principal foco do movimento convocado pelo Facebook conclamando
pessoas no país todo a se manifestarem contra Cunha o mais ruidosamente
possível durante o pronunciamento que marcou o início do recesso no
Congresso – no mesmo dia em que o deputado anunciou sua ruptura com o
governo e um dia após o depoimento do empresário Júlio Camargo, da Toyo
Setal, acusando Cunha de lhe exigir um pagamento de US$ 5 milhões (R$ 15
milhões) em propina sobre contratos de navios-sonda da Petrobras.
Quase
70 mil pessoas confirmaram que participariam do Barulhaço no Facebook. O
protesto buscava ser um contraponto ao panelaço que ressoou durante os
pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff, e foi ouvido em bairros de
diversas capitais do país, como São Paulo, Brasília, Porto Alegre,
Salvador, Palmas, Macapá e Recife.
No Twitter, a hashtag #CunhanaCadeia esteve entre as mais comentadas do mundo durante a noite.
No
pronunciamento pré-gravado, que durou cinco minutos, Cunha fez um
balanço do trabalho do Legislativo e listou projetos aprovados sob sua
gestão – como a reforma política e a redução da maioridade penal –
exaltando a "maior iniciativa" e independência da Câmara e afirmando que
a casa "nunca trabalhou tanto como agora".
Sem acompanhar o discurso, os manifestantes cariocas entoaram gritos de "fora, Cunha!" e outras frases de efeito.
Reunião para novos protestos
O
evento foi acompanhado por repórteres de diversos veículos nacionais e
internacionais. Apesar de o número pequeno de pessoas reunidas no local,
o estudante Rodrigo Luis Veloso, um dos organizadores do "barulhaço",
se disse feliz com o resultado.
"Estamos recebendo mensagens de
amigos de várias partes do Rio e do país dizendo que a adesão foi forte,
e é isso que importa", disse à BBC Brasil.
"O nosso objetivo hoje
era marcar posição. Mostrar que existe uma parcela da população que não
concorda com a agenda do Cunha e está insatisfeita com a sua presença
na presidência da Câmara."
Depois que o barulho arrefeceu, Veloso e
os demais organizadores aproveitavam para fazer contatos para seguir
com uma campanha contra Eduardo Cunha. Ele disse que uma reunião será
marcada para os próximos dias para definir as próximas ações.
Eduardo Cunha, quem?
Maria das
Graças Brandão, que trabalha há oito anos vendendo cerveja à noite na
praça São Salvador, achou o barulho diferente do que ocorre nas outras
sextas-feiras e foi apurar de que se tratava.
"Dizem que é para
sair o Eduardo Cunha. Mas eu nem sei quem é o Eduardo Cunha!", disse à
BBC Brasil, entre uma venda de cerveja e outra. "Perguntei por aí e o
pessoal me falou que era contra ele. Tudo bem, desde que seja pacífico,
está tudo certo. Só não pode é ter briga."
Um grupinho que fora à
praça para comemorar um aniversário diz ter apoiado à distância, embora a
aniversariante confesse ter ficado apreensiva. "Fiquei feliz que o
barulho acabou logo, senão ia acabar com a comemoração."
O
empresário do setor cultural Iuri Carvalho também não se animou a
caminhar alguns metros e se juntar ao protesto. "Preferi ficar aqui na
minha cervejinha. Sou absolutamente contra o Cunha, mas não concordo nem
com panelaço contra a Dilma nem com barulhaço contra o Cunha", afirmou.
"Não
tem efeito, acho meio besteirol. Se as pessoas querem protestar, o
jeito é não aceitar suas manobras políticas e voltar para a rua."
Silêncio no Leblon
Há
alguns quilômetros dali, os moradores do Leblon – o metro quadrado mais
caro da capital fluminense – responderam com silêncio à fala de Cunha
em rede nacional.
Não houve adesão ao "barulhaço", nem tampouco ao
"aplausaço" convocado pelo peemedebista horas antes de seu
pronunciamento em uma tentativa de angariar apoio por meio das redes
sociais.
A reportagem da BBC Brasil percorreu ruas do bairro entre
20h25 e 20h30, enquanto durou o discurso, e não testemunhou
manifestação alguma, apesar das muitas varandas acesas em prédios de
alto padrão.
"Me parece que está havendo uma certa crise, sim, mas
não tenho tido tempo de acompanhar", disse à BBC Brasil Alice Valente,
de 63 anos, dona de casa e moradora do bairro.
Em duas das ruas
mais boêmias do bairro, Conde de Bernadotte e Dias Ferreira, havia mais
interesse no ouro histórico da nadadora Etiene Medeiros nos Jogos
Pan-Americanos de Toronto do que na crise política enfrentada pelo país.
Enquanto
Cunha falava à nação, os televisores em mais de dez bares e
restaurantes visitados pela reportagem mostravam prova em que Medeiros
conquistou a primeira medalha de ouro da história da natação feminina no
torneiro, nos 100 metros de costas.
"O pessoal aqui gosta muito
mais de esporte do que de política", disseram dois donos de bares em
resposta à pergunta da reportagem sobre se não queriam acompanhar o
pronunciamento do presidente da Câmara dos Deputados.
'Acusa daqui, acusa de lá'
O
promotor Rodrigo Terra, que jantava com a família num restaurante da
Dias Ferreira, considerou que a movimentação em Brasília nesta
sexta-feira deveria ter tido outro desfecho: em vez de falar em rede
nacional, Cunha deveria ter anunciado a renúncia à chefia do Parlamento
brasileiro.
"Em qualquer país civilizado, um presidente do
Congresso investigado por receber uma propina de US$ 5 milhões teria
anunciado sua renúncia. É algo incompatível com sua permanência no
cargo. Além do mais, está colocando o país inteiro num impasse por conta
de seus interesses pessoais", disse.
Apesar da revolta, Terra
acha que o país pode estar vivendo um momento crucial. "Agora que Lula,
Collor, Dilma e Cunha estão todos na berlinda, e está evidente que a
corrupção é generalizada, a Operação Lava Jato pode estar começando a
desfazer a forma com que se governa este país. Quem sabe seja um marco."
Assistindo
de longe à badalação típica do Leblon numa sexta-feira à noite, o
porteiro Manoel Mendes, de 46 anos, diz que nunca tinha ouvido falar de
Eduardo Cunha até então, mas que "se ele fosse bom, não estaria metido
nessa confusão toda".
"A gente tem que botar alguém lá dentro.
Collor, Lula, Dilma, até esse Cunha. Agora, estão dizendo que tem que
tirar todo mundo, porque é tudo corrupto. Impeachment, renúncia, acusa
daqui, acusa de lá, só se fala em escândalo", diz.
"Mas vai ter que colocar outros no lugar. E aí que eu me pergunto: quem?".
Da BBC
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