Cunha e governo mergulham em nova fase de incertezas
A crise política ganhou contornos ainda mais dramáticos no fim desta semana, com as novas acusações de corrupção contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e sua decisão de romper com o governo anunciada na manhã desta sexta-feira.
Além disso, a decisão do Ministério Público Federal
de investigar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gerou mais um
noticiário negativo para o PT.
Mas, se de um lado a situação do
Planalto ficou ainda mais delicada, de outro o superpoderoso presidente
da Câmara também ficou mais fragilizado diante das acusações de que
teria cobrado propina de US$ 5 milhões (R$ 15 milhões) dentro do esquema
de corrupção da Petrobras.
Quais podem ser as consequências desse novo cenário ainda mais instável para Cunha e para a presidente Dilma Rousseff?
Eduardo Cunha
A situação do
presidente da Câmara se complicou nesta quinta-feira, quando o
ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo – um dos delatores do esquema
de corrupção que atuava na Petrobras – afirmou que Cunha lhe cobrou o
pagamento de propina de R$ 5 milhões.
Camargo, que havia negado
ter dado dinheiro ao peemedebista em outros depoimentos, disse que havia
mentido por temer o presidente da Câmara.
Cunha negou as
acusações, desqualificou o delator por ter mudado de versão mais de uma
vez e acusou o governo de orquestrar denúncias contra ele. Sua
estratégia foi sair para o ataque.
"Ele precisava produzir alguma coisa que tivesse dramaticidade
equivalente para fazer frente à enxurrada de denúncias divulgadas na
mídia. Esse episódio o danificou profundamente. Isso pode ter abalado
bastante um eventual projeto presidencial ou mesmo um projeto de
governar o Rio de Janeiro", afirma o cientista político Antônio
Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco.
"Esses
projetos podem ter ido por terra por causa das notícias de ontem. Cunha
hoje, do ponto de vista de qualquer eleição majoritária, é alguém muito
mais fragilizado do que era antes de ontem", acrescentou.
Em nota,
a Presidência da República disse que o "governo sempre teve e tem
atuado com total isenção em relação às investigações realizadas pelas
autoridades competentes".
Repercussão política
Após as denúncias, o PSOL defendeu o afastamento do peemedebista da presidência da Casa – coisa que Cunha já disse que não fará.
O
deputado Silvio Costa (PSC-PE), vice-líder do governo na Câmara e umas
das principais vozes anti-Cunha, afirmou que consultaria juristas sobre a
possibilidade de se pedir um impeachment do presidente da Casa.
Porém,
para o deputado Wadih Damous (PT-RJ), que já presidiu a seção
fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não há fundamentos
jurídicos hoje para o peemedebista sofrer um impeachment.
Há uma
expectativa de que Cunha seja denunciado pelo procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas mesmo
nesse caso Damous acredita que não seria possível aprovar o impedimento
de Cunha. "Denúncia não é condenação", observou.
O deputado
afirmou, porém, que Janot pode pedir ao STF o afastamento de Cunha da
presidência da Câmara, caso entenda que sua permanência no cargo pode
atrapalhar o processo.
Aliado de Cunha, o deputado Paulinho da
Força (SD-SP) saiu em sua defesa: "Não será uma denúncia sem qualquer
tipo de prova que irá abalar a nossa confiança em seu trabalho. Não há
nada mais correto do que se afastar de um governo trapalhão,
incompetente e que apaga fogo com gasolina".
Isolamento
Outro risco que corre Cunha é o de se isolar dentro do PMDB. Ele
defendeu que o partido deixe o governo e disse que levará essa posição
para o encontro nacional da legenda, em setembro.
Embora ele tenha
influência sobre muitos deputados e certamente terá solidariedade de
parte da bancada, a direção do PMDB divulgou nota nesta sexta-feira
dizendo que a manifestação de Cunha "é a expressão de uma posição
pessoal".
Para o analista de política da consultoria Tendências,
Rafael Cortez, o fato do vice-presidente, Michel Temer, ser do PMDB,
dificulta o rompimento do partido com o governo. "Não é normal,
simplesmente deixar o governo e ficar na vice-presidência. É um sinal
contraditório para o eleitor", afirma.
O deputado Marcelo Castro
(PMDB-PI), que era aliado de Cunha, mas adotou uma postura mais crítica
após os dois se desentenderem na votação da reforma política, não apoia o
rompimento.
"O PMDB pode romper quando quiser com o governo, mas
tem que ter motivo. A investigação contra o Cunha não é motivo. Está
todo mundo sendo investigado, gente do PT, aliados fiéis do governo",
afirmou.
Dilma Rousseff
Mesmo
com a permanência do PMDB no governo, a situação da presidente Dilma
Rousseff se complicou com o rompimento anunciado por Cunha.
Logo
após tornar pública sua decisão, ele autorizou a instalação de duas CPIs
com potencial de desgastar o governo: uma vai investigar empréstimos do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a outra
vai apurar supostas irregularidades nos fundos de pensão das estatais.
É o presidente da Câmara também quem decide se coloca em votação ou não pedidos de impeachment contra a presidente.
"Ele já fazia oposição na prática, mas agora queimou todas as pontes, não tem mais espaço para negociação", afirmou Lavareda.
"Isso
prejudica a governabilidade, e quando a governabilidade está pior, o
risco de impeachment aumenta. Mas não quer dizer que isso seja um fato",
ressaltou.
Dilma terá de lidar, a partir de agosto, com o
julgamento das contas do seu governo pelo Tribunal de Contas da União
(TCU) e de suas contas de campanha pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE).
No momento o Judiciário está em recesso, e o Congresso ficará parado por duas semanas pelo mesmo motivo.
Na
volta, Cunha promete colocar em votação as contas de outros governos
que não foram analisadas até hoje pelo Congresso, abrindo o terreno para
a apreciação das contas de Dilma, assim que o TCU proferir sua decisão.
Quem tem mais força?
Juristas
consultados pela BBC Brasil divergem quanto à possibilidade de a
eclosão da crise entre Dilma e o presidente da Câmara antecipar uma
eventual queda de um ou de outro.
Para o jurista Dalmo Dallari,
professor emérito da USP, uma eventual decisão de Cunha de colocar em
tramitação um pedido de impeachment da presidente, como o já entregue
pelo Movimento Brasil Livre, por exemplo, só teria potencial para
constranger o governo.
"Ele preside a Câmara, não toma decisões por ela", afirma Dallari,
lembrando que um processo de impeachment precisa passar por comissão e
pelo plenário, onde é necessário obter o apoio de ao menos dois terços
dos 513 deputados – ou seja, 342 votos–, para que seja encaminhado ao
Senado, que dá a palavra final.
Dircêo Torrecillas Ramos,
professor livre-docente pela USP e integrante da Comissão de Direito
Constitucional da OAB-SP, pensa diferente de Dallari.
Segundo ele,
o rompimento público pode levar Cunha a colocar um pedido de
impeachment de Dilma em tramitação antes mesmo que o TCU aprecie as
contas do governo, contestadas por causa das manobras que ficaram
conhecidas como "pedaladas fiscais".
Ramos afirma ainda que, como o
julgamento no Congresso é essencialmente político, a presidente pode
perder o cargo mesmo se o TCU aprovar suas contas, caso seja a vontade
do plenário.
Ele diz que, embora juridicamente seja mais fácil
cassar um deputado – é necessária apenas maioria simples, ou seja, 257
votos na Câmara –, o cenário político atual, com a baixa aprovação do
governo e o poder que Cunha demonstra ter hoje no Casa, podem mudar essa
perspectiva.
"Vejo mais condições de cassar Dilma do que o presidente da Câmara", afirma Ramos.
O
deputado poderia continuar no cargo, inclusive no comando da Casa,
mesmo que seja denunciado no STF ou se um parlamentar entrar com pedido
de cassação contra ele por quebra de decoro parlamentar, diz o
especialista. E, com o controle da pauta da Câmara, continuaria a causar
problemas para o governo.
Dallari afirma não ver nenhum dos dois
lados em condições de derrubar o outro, mesmo com o rompimento. Cunha,
diz, tem um poder menor do que afirma ter. "Não o vejo com condições de
criar restrições ao exercício do governo", afirma.
Lula
Além
de lidar com a crise com Cunha, o Planalto recebeu outra notícia
negativa nesta semana – a Procuradoria da República no Distrito Federal
abriu inquérito para investigar suposto tráfico de influência
internacional de Lula para favorecer a construtora Odebrecht, uma das
empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato.
"Isso reduz ainda
mais o capital político de Lula, que já tem enfrentado limites como
articulador", afirma o analista Rafael Cortez.
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