Setores ilustram país que ainda resiste e o que sente crise na pele
Pelo porto de Itajaí (SC) passam
diariamente centenas de contêineres com produtos que variam de carnes
congeladas a madeira, de plásticos a produtos agrícolas. Com crescimento
estável nos últimos anos, o porto espera aumentar em mais ou menos 1% o
volume de cargas movimentadas em 2015.
O complexo portuário
abriga 2,5 mil empregos diretos e 11 mil indiretos, sendo o principal
motor da economia de Itajaí. Empresas de RH e a prefeitura dizem que a
economia continua movimentada e gerando vagas.
A piora no cenário
econômico do país tem sido sentida por ali, mas com menos força do que
em outros lugares. "Estamos tentando resistir", diz à BBC Brasil o
prefeito Jandir Bellini (PP). "Temos diversificação econômica, embora
muito vinculada à atividade portuária. O setor acaba mesclando
logística, indústria, comércio, pesca, turismo e até a indústria naval
petrolífera."
Em contraste, a 900 km dali, no interior de São
Paulo, o Sindicato dos Metalúrgicos de Batatais atendia, na última
quinta-feira, 42 trabalhadores recém-demitidos das indústrias da cidade,
de 60 mil habitantes.
Centenas de demissões ocorrem desde o ano passado
no setor de metalurgia local, a maioria em fábricas que fornecem
autopeças para máquinas agrícolas.
"Os produtores estão sofrendo
com a falta de chuvas e de financiamento do BNDES (para comprar o
maquinário)", queixa-se Anderson Rodrigo Machado, diretor-tesoureiro do
Sindicato dos Metalúrgicos local.
Os dados do PIB nacional de
2014, que serão divulgados pelo IBGE nesta sexta-feira, devem mostrar um
país estagnado. Mas os exemplos do porto em Itajaí e dos trabalhadores
em Batatais ilustram tanto partes do Brasil que ainda resistem à crise
nacional, quanto outras que a sofrem de modo mais agudo.
Brasil que vai melhor
Itajaí,
cidade que hoje concentra a maior parte da riqueza produzida em Santa
Catarina, continua escoando uma produção agrícola ainda pujante, além de
maquinários e dos já mencionados plástico, carne congelada e madeira. O
ramo de transporte e armazenagem, que engloba a atividade portuária,
foi um dos que puxaram o leve crescimento do setor de serviços no PIB
brasileiro do terceiro trimestre de 2014.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, os portos
brasileiros movimentaram 969 bilhões de toneladas no ano passado, um
aumento de 4,34% em relação a 2013.
"Exportamos muitos produtos
manufaturados e carne congelada (sobretudo suínos e frango), cujas
vendas aumentaram no ano passado apesar da crise", afirma Ricardo Arten,
diretor-superintendente da APM Terminals, que opera um dos terminais de
Itajaí.
Ele ressalta que, por não ser muito dependente da
exportação de commodities, o porto é menos sensível à queda da demanda
chinesa. "Hoje importamos muita carga da Ásia, mas na exportação os
maiores mercados são Oriente Médio, Rússia e Europa."
Sérgio
Aquino, consultor especializado na área, diz que o setor portuário
recebeu importantes investimentos privados nos últimos anos, ainda que
agora tenha de se preparar para investir em competitividade – já que o
Brasil tem perdido mercados de exportação.
Para Clemens Nunes,
professor da Escola de Economia da FGV-SP, o ramo também se beneficiou
de uma maior abertura comercial do Brasil, que elevou seu comércio
exterior – ainda que, em muitos casos, as importações tenham superado as
exportações.
Itajaí também abriga um polo de serviços, de pesca,
de turismo náutico e uma indústria naval voltada ao setor petrolífero.
Neste último setor, o pessimismo nacional já respinga por ali: como
reflexo da crise na Petrobras, um consórcio de montagem de módulos para
plataformas já demitiu 400 funcionários, diz a prefeitura.
"Entramos
em 2015 com um horizonte não tão bom, por conta da inflação, da baixa
no preço internacional do petróleo e da Petrobras", diz o secretário
municipal de Desenvolvimento Econômico, Osman Freire Rebello. "(Mas)
somos a segunda cidade do Estado com o maior saldo positivo de geração
de emprego. Estamos monitorando para ver se outros setores vão absorver
essa mão de obra."
Brasil que vai pior
Se o setor de serviços – do comércio às atividades bancárias – ainda
aproveita o rescaldo do baixo índice de desemprego e do aumento real
dos salários que beneficiou boa parte dos brasileiros nos últimos anos, a
indústria vive uma crise mais profunda.
A previsão da Fiesp
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) é de que a indústria
nacional sofra um tombo de 4,5% neste ano, por conta do ajuste fiscal do
governo, da crise na Petrobras e da menor disponibilidade de crédito.
Ramos
como os de construção, infraestrutura e óleo e gás estão entre os que
mais devem sofrer. Outro que passa por mau momento é o automotivo.
No ABC Paulista, principal polo do setor, o emprego tem se mantido estável, mas graças a medidas como flexibilização na jornada.
Segundo
a Fiesp, o setor industrial paulista demitiu 9,5 mil pessoas em
fevereiro – e o ramo que mais perdeu postos (1.912) foi o de veículos
automotores, reboques e carrocerias.
"Muitas empresas reduziram as
jornadas, mas mesmo assim não estão aguentando. Acabam demitindo. E
infelizmente muitos funcionários não conseguem se recolocar no mercado",
diz Machado, do Sindicato dos Metalúrgicos de Batatais.
Isso
é resultado direto dos recuos no consumo e no crédito, que provocam um
efeito dominó em toda a cadeia produtiva – de montadoras a fábricas de
peças. Assim como em Batatais, muitos polos industriais têm vivido
demissões ou planos de férias coletivas, suspensões temporárias e planos
de demissão voluntária.
Segundo o sindicato das indústrias de
autopeças (Sindipeças), o setor recuou em vendas em 2014 e em
exportações no primeiro bimestre do ano. Dados de dezembro mostram uma
queda de 7,8% no emprego no setor em São Paulo em relação ao mês
anterior, e quedas semelhantes ocorreram em outros Estados.
O
mercado automotivo também foi prejudicado pela queda de vendas à
Argentina, tradicionalmente maior compradora dos veículos produzidos no
Brasil, explica Rodrigo Baggi, analista da consultoria Tendências.
"Devemos ter a pior queda de vendas desde 1999, em veículos leves e pesados", prevê Baggi.
A crise na indústria em geral deve ser sentida sobretudo no Sudeste
brasileiro, diz o analista. "É a região que concentra todos os fatores
para uma tempestade perfeita: há uma crise de confiança (do
empresariado), somada ao peso da indústria na região, mais as crises
hídrica e elétrica."
A valorização do dólar deve dar fôlego ao
menos para os exportadores, mas as soluções para a indústria passam por
fatores de longo prazo, diz Clemens Nunes, da FGV. "O setor precisa de
uma maior integração na cadeia (de comércio) global, algo que não vem de
uma hora para outra: envolve melhorar competitividade, qualidade,
acesso a investimentos, (além de) melhorias tecnológicas e mais acordos
comerciais do Brasil", opina.
O setor de serviços também terá um
ano mais difícil do que o de 2014, à medida que as famílias contêm seus
gastos e o governo faz ajustes fiscais.
Com tudo isso, diz Nunes, o
setor de melhor desempenho neste ano deverá ser o da agricultura
voltada à exportação, que obtém vantagens com a alta do dólar e é
tradicionalmente competitivo no cenário internacional.
Da BBC
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