"Pode já ter nascido a pessoa que vai viver 150 anos", diz vice-presidente do Google
O capixaba Fábio Coelho, que é presidente do Google Brasil e vice-presidente do Google Inc., analisa como a tecnologia pode ajudar a vida a melhorar
Google é hoje uma palavra praticamente sinônimo de inovação. Uma das maiores empresas do mundo, referência em tecnologia e em práticas inovadoras de trabalho, tem à sua frente um capixaba como líder: Fábio Coelho. Nascido em Vitória, ele hoje acumula o cargo mais importante da empresa no Brasil e é um dos vice-presidentes da Google Inc, com sede no Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos.
Fábio Coelho se formou em Engenharia na UFRJ, mas após trabalhar com obra por um ano em Vitória, decidiu apostar em administração e voltou ao Rio de Janeiro para fazer mestrado. Lá, ganhou uma bolsa para estudar em Harvard, nos EUA, e começou a atuar na Gillette. Como profissional de vendas, vendia lâmina de barbear e canetas para supermercados e papelarias capixabas. Logo depois, seguiu carreira na área de marketing, passando pelas diretorias da Quaker (onde em 1992 lançou o Gatorade no Brasil), pelo Citibank, com passagem pela empresa norte-americana Bell South, pela presidência do IG e, por fim, pelo Google Brasil, onde está há quatro anos e meio.
Otimista, o executivo vê um futuro promissor e afirma que vamos trabalhar menos por termos ajuda das máquinas. Confira a seguir trechos da entrevista do capixaba, que está na capital para apresentar o programa “Expedição Google de Segurança na Internet” em escolas de Cariacica e de Vila Velha.
Como é o mercado brasileiro para o Google hoje? Como é o cenário de expansão e quais são os produtos em crescimento do Google no Brasil? O Brasil é um dos principais mercados do Google. É um mercado logicamente com um potencial enorme levando em conta que temos 120 milhões de brasileiros conectados e 85 milhões por conectar. E, dentro dos produtos do Google, a gente continua vendo um crescimento enorme do buscador na parte de mobilidade. A gente continua vendo o Youtube crescendo muito, também na mobilidade através de celulares. Outra plataforma que chama atenção é o Google Play, onde você tem aplicativos, jogos, livros, filmes, revistas online, que já é uma plataforma que cresce absurdamente no Brasil. A quantidade de download de aplicativos é enorme. O brasileiro é hiperssocial e hiperconectado. Ele usa muito as redes sociais, os serviços de comunicação como Whatsapp e, mais do que isso, ele usa um monte de apps.
O mercado de celular ainda está em expansão? Eu me lembro que há dois anos, em janeiro de 2013, o Brasil tinha 8 milhões de telefones celulares Android. Em janeiro de 2015, dois anos depois, tinha 90 milhões de celulares Android. O que tem acontecido recentemente é a constatação de que todos nós queremos e ambicionamos ter um smartphone. No Brasil, tem mais telefone celular do que gente, com o perfil ainda de pré-pago e fundamentado em voz. Mas cada vez mais as pessoas tratam o serviço de dados como primeira necessidade. A nossa expectativa é ter mais de 150 milhões de brasileiros usando serviço de dados e esperamos que ocorra barateamento do custo de dados e dos smartphones, combinado com o aparecimento de novos smartphones que vão aumentar a percepção de valor que esses serviços geram na população, e com novas funcionalidades. Quem pensa em vídeo na internet e no celular, há cinco anos ver vídeo no celular era longínquo, hoje é realidade. No Youtube, a cada três vídeos assistidos um é no celular, isso no Brasil. E vai continuar crescendo.
O Google vive de inovação. O que falta ao Brasil para avançar do ponto de vista da inovação?
Acho que o que falta no Brasil falta em maior ou menor escala em todos os lugares. A inovação é a combinação de massa crítica de empreendedores, política de governo, investimento das companhias e a vontade de empreender da população. No Brasil, temos uma população extremamente empreendedora. Hoje para vir de São Paulo para Vitória, peguei um táxi e o serviço usado foi o 99 Táxis, um serviço brasileiro. Se você pensar nesse aplicativo, numa escala maior, a economia digital ela faz o quê? Ela traz inovação que vai tornar a vida das pessoas mais fácil, melhor, o serviço que vai custar menos e fazer as atividades do dia a dia serem mais rápidas e eficientes. Então um serviço de táxi como esse foi uma resposta a um problema que era a falta de entendimento de onde estava a frota de táxi na cidade, ou seja, o ambiente dos táxis estava desconectado. No momento em que você bota todos os ambientes conectados - eu liguei hoje às 6 horas da manhã, coloquei no aplicativo dizendo que queria um táxi para o aeroporto, havia um táxi que estava a menos de 2km da minha casa, ele chegou em 4 minutos e eu acompanhei o caminho dele no celular pelo mapa no GPS. Isso funciona com um monte de outras coisas. Já existe um banco chamado Nubanc, que é um banco sem agência e sem mensalidade, e você tem um cartão de débito e crédito que funciona na internet. É um startup brasileiro. Isso é para dizer que não se trata de ser mais ou menos desenvolvido. O que existe no Vale do Silício, na Califórnia, onde está o Google, é uma combinação mais redondinha desses fatores: excelentes universidades estão lá, há políticas de governo, os investidores estão lá, e você combina isso com gente querendo desenvolver coisas novas e um ambiente onde há uma troca grande.
Como o Espírito Santo, que tem uma economia baseada em commodities, pode se inserir nessa nova economia baseada na inovação? Acho que é uma combinação de elementos. Precisamos ter boas universidades, a Ufes tem uma boa escola, e combinar isso com política de governo. A aproximação que o digital traz faz com que as pessoas tenham contato com o que está acontecendo em São Paulo ou Londres, então eu não vejo muito a questão de distância ser um problema, nem pelo fato de ser um estado produtor de commodities. Eu acho que é uma questão de investimento, incentivo, seja privado ou do governo, com escala. E que obviamente os investidores se agreguem em um hub de inovação, e que com isso você tenha boas ideias que possam ser trocadas. Hoje a economia é assim: o que está acontecendo em outra parte do mundo temos condições de adotar, de melhorar, ou de aprender com aquilo e fazer uma versão nossa quase no mesmo instante.
Qual é o diferencial do ambiente de trabalho do Google? Por que todo mundo quer trabalhar na empresa? Primeiro, toda empresa deveria ter uma combinação de cultura e performance. Pelo lado da performance, o Google tenta atrair os melhores profissionais possíveis. O Google também cresceu mais de 50% ao ano nos últimos cinco anos no Brasil, e é muito melhor você participar de um negócio que cresce do que um negócio que encolhe. Mais do que isso, existe uma cultura de usar a tecnologia para o bem, essa é a grande visão do Google, tecnologia para tornar a sociedade um lugar dramaticamente melhor. Quando a gente pensa nisso tudo, as pessoas que trabalham no Google sentem que têm a oportunidade de participar de algo muito maior, que é não apenas você trabalhar em um ambiente legal, aberto à inovação, em que você pode contribuir para criar um ambiente de negócios melhor para o país, mas você está contribuindo para coisas maiores, coisas que a tecnologia pode ajudar. E a cada instante você pensa que está fazendo alguma coisa para ajudar a vida das pessoas e conseguir resolver problemas que não foram resolvidos em toda a história da humanidade. Isso é muito bacana, é motivante e tenho inúmeros exemplos.
O senhor tem aprovação de 93% dos 700 funcionários da Google no país de acordo com a revista Forbes. A que atribui o sucesso com os funcionários? A que atribui o sucesso de sua carreira? Dentro do Google, fazemos uma pesquisa anual em que se avalia o supervisor e no caso do Brasil chega até a mim. Eu trabalho já tem 34 anos, e quanto mais a gente vai aprendendo, mais passa a entender que em uma sociedade conectada não existe mais aquela hierarquia em que quem está numa posição de poder sabe mais que os outros. Você sabe coisas diferentes. E por saber coisas diferentes, você também não sabe em detalhe o que as outras pessoas sabem. Vendo dessa forma, a posição de coordenação do líder passa a ser bem diferente. Primeiro, você respeita mais as pessoas, segundo, você entende que o papel do líder é estabelecer a visão e garantir que aquelas pessoas todas estejam engajadas e alinhadas com aquela visão. E terceiro, que as pessoas entendam que essa visão tem um propósito e que você está junto com elas trabalhando para remover obstáculos para que elas possam trabalhar da melhor forma possível.
Eu tento fazer isso no Google assim como tentei fazer isso os 10 anos que fiquei fora do Brasil, até porque nessa última vez que fiquei fora eu era brasileiro e presidente de um negócio totalmente doméstico. E não adiantava eu tentar ser um chefe tradicional, pois as pessoas iam olhar pra mim e pensar: "por que colocaram esse brasileiro? O que ele tem de diferente? Por que vou olhar e respeitar essa pessoa?", sendo que eu tinha uma base cultural diferente deles. O que eu fiz então foi tentar entender o que era relevante para aquelas pessoas para que eu pudesse ajudar que aquilo que fosse relevante para cada uma delas convergisse para o que eu considerava uma proposta maior para a empresa. Isso com respeito às individualidades e diferenças. Eu não fico enchendo o saco das pessoas, tento trabalhar com muita delegação, tenho um sistema semanal de cobrança em que libero os grupos para trabalhar e uma vez por semana eu me reúno com grupos e falo com a empresa inteira, para que as pessoas se sintam participando e sintam que eu estou interessado no que elas estão fazendo. Isso funciona melhor numa empresa que está crescendo porque as pessoas entendem que se fizerem a coisa certa aquela roda se alimenta de uma maneira mais fácil, você consegue dar retribuição, valorização, promoção, progresso de carreira. Elas percebem que eu estou perto, vendo e ajudando na remoção dos obstáculos, conectando pessoas com outras pessoas de fora do negócio.
Elas percebem que minha função é de agregar e facilitar e não só de mandar. Quando você facilita, agrega, estabelece uma visão e remunera, recompensa, o sistema funciona bem.
Qual é o segredo do sucesso para trabalhar em uma grande empresa de tecnologia como o Google? O Google no Brasil hoje tem 90 grupos de trabalho, começa com saber trabalhar bem em equipe. Trabalhar bem em equipe é uma combinação de saber influenciar pessoas, saber ouvir e saber que ninguém é dono da verdade e que as ideias passam por um nível de discussão grande até chegar num consenso. Logicamente têm que ser pessoas muito bem preparadas academicamente, quem não é preparado não consegue sobreviver naquele ambiente. E pessoas que têm muito alinhamento de propósito. Quase sempre, quando peço alguma coisa, é num nível muito alto e muitas vezes os funcionários me surpreendem pela qualidade do produto. São pessoas que não se contentam com o trabalho feito 80%, e por mais que a gente fale do balanço entre vida e trabalho, as pessoas fazem esse balanço de uma forma diferente. Eles vivem o trabalho com muita paixão, estão engajadas, levam o trabalho para casa e trabalham de casa. Não quer dizer que são workaholics, mas elas trabalham muito e produzem muito, é um ambiente de alta performance mas ao mesmo tempo é um ambiente em que as pessoas tem alta performance sem serem constrangidas a trabalhar.
Quais são as características de um líder de sucesso? Primeiro, você tem que entender profundamente as motivações das pessoas que trabalham contigo, entender profundamente seus clientes e as motivações de seus clientes. Tem que saber ouvir muito e saber como você engaja as pessoas para encontrar soluções que funcionam para o cliente e para a empresa. Nesse ambiente de troca, respeito é fundamental, estabelecer relações de confiança é fundamental. E conseguir gerar uma visão e admiração para que as pessoas possam trabalhar contigo, ao redor, e buscando essa visão, também é fundamental.
De que forma o Brasil pode resolver o desafio de aumentar a produtividade? Tem três coisas que ajudam a melhorar a produtividade, sem falar na corrupção, que eu acho é um fator secundário - é importante, mas não é o fator central. Primeiro, e o mais importante de todos, é a educação, é preciso uma sociedade mais educada e preparada. Segundo, a questão de infraestrutura física: estradas melhores, sistema de escoamento melhor, infraestrutura de telecomunicação melhor. Que a estrutura física permita que pessoas e mercadorias circulem e que todos tenham acesso ao conhecimento. E terceiro, a infraestrutura digital. Com esses três elementos, a gente vai ter menos tolerância com desvio, corrupção, e vai ter uma sociedade mais produtiva e mais eficiente. Com isso, é questão de tempo se a gente atacar essas três frentes.
Que conselhos daria para alguém que está começando a carreira? Primeiro elemento a considerar é que a gente está num mundo global. O profissional que estuda em Vitória está competindo com gente do Brasil inteiro e do mundo inteiro. A primeira coisa é ter abertura para entender em profundidade qual é sua vocação. Segundo, com a vocação, você tem o aprofundamento necessário para transformar aquilo de forma relevante em negócios. Seja desenvolvendo o próprio negócio ou trabalhando no negócio de alguém. Então profundidade técnica, bons relacionamentos e a construção de uma reputação forte, saudável, são elementos básicos para ter sucesso. Uma boa formação acadêmica vale, mas não precisa ser tradicional, obtida dentro das universidades. Isso é importante, mas todo o conhecimento está na internet, a curiosidade e a capacidade de aprender é tão importante quanto o conhecimento formal, estruturado e acadêmico. Quem está começando hoje tem oportunidade como nunca se teve antes, que é encontrar toda bibliografia e conhecimento que está na internet à disposição. A internet serve para as pessoas fazerem piada, serve para rir dos memes, serve para assistir vídeos para protestar politicamente, mas serve também para encontrar um canal como o Youtube Educação, que tem 8 mil aulas gratuitas disponíveis. Você pode aprender num telefone celular assistindo um vídeo ou ir à escola e fazer uma suplementação em casa. O conhecimento está disponível, você tem que estar disposto a absorver e transformar aquilo em algo que ajuda a ter sucesso.
Como é sua rotina de trabalho na presidência do Google Brasil? Minha rotina começa cedo, eu acordo às 6h e duas vezes por semana de 7h às 8h eu faço atividade física. Nesse dias, chego no escritório 8h45. Nos outros, chego 7h50 e começo a trabalhar 8h. Tenho reuniões curtas de meia hora e dedico metade do meu tempo a estar com clientes e a outra metade para estar com os diversos grupos do Google. Essas reuniões de meia hora têm uma cadência operacional: as pessoas se preparam antes, em meia hora temos uma pauta montada dentro do Google Docs, online, temos 20 minutos para cobrir os assuntos e 10 minutos para falar sobre o que vamos fazer com aquilo. É uma reunião de meia hora com alta produtividade. Se perceber que em meia hora não resolvemos aquilo, a gente vai marcar uma outra sessão de meia hora daqui a uma semana para falar daquele assunto. E assim consigo falar com praticamente 90 grupos dentro do Google por semana. Quando passa de meia hora, normalmente a gente começa a perder produtividade.
O Google tem a regra de reuniões curtas, pequenas e com pauta estruturada. Há uma teoria de que uma reunião com mais de 10 pessoas não tem bom aproveitamento. A partir de 8 pessoas, a produtividade começa a cair. Todo mundo quer falar, começa conversa lateral, então fazemos reuniões pequenas. Uma vez por semana, tem a reunião de uma hora com o conselho da empresa, onde a gente discute os temas mais sensíveis. Saio do Google às 19h, chego em casa às 19h30 e faço questão de jantar com minha família. Se for necessário, janto, fico com a minha família e fico de 30 minutos a uma hora, acabando de resolver. E vou a jantares, eventos beneficentes. Em São Paulo, me envolvo em várias entidades, sou conselheiro da Escola Americana de São Paulo, isso me demanda tempo, sou conselheiro do Bureau de Publicidade Interativa, onde as empresas de internet estão e ajudo umas entidades filantrópicas que me pedem algumas palestras. Sou muito focado com meu tempo. Eu almoço quase sempre dentro do Google, a gente consegue almoçar com clientes lá dentro e demora no máximo uma hora.
O Google cria um ambiente de trabalho feito para que você possa ser produtivo. Então tem manicure dentro do Google, você marca horário num calendário compartilhado pelos 750 funcionários e vai para a sala de manicure dentro do escritório. Tem um serviço que você deixa a roupa, paga pelo serviço, e no dia seguinte sua roupa está pronta no escritório. Você otimiza seu tempo em tudo. A empresa é muito generosa, ela disponibiliza almoço, lanche e café da manhã. Mas ela faz isso para que você não precise ir para a rua, quanto custa uma pessoa sair, pegar elevador, descer, almoçar no restaurante, pagar a conta, dar uma volta e voltar para o escritório? Tem um custo enorme. A economia digital quer que seja mais simples, mais barato, mais rápido e que você tenha conveniência. A gente tenta aplicar isso no ambiente de trabalho também. E aqui no Brasil tem outro componente que tive que me ajustar. O brasileiro gosta de chegar no escritório, bater papo, tomar um cafezinho, é nosso isso. Como fiquei 10 anos nos Estados Unidos, o americano é muito mais produtivo que o brasileiro nesse aspecto. O americano não toma cafezinho, ele almoça sentado na mesa muitas vezes, não sei se aquilo é bom também. São estilos diferentes. Mas tem sempre o meio do caminho. Se você encontrar o ambiente onde tenha espaço para tomar um cafezinho com o colega, que não dure meia hora, mas dure cinco minutos, e sente para trabalhar com todas as ferramentas de tecnologia. É essa economia que vai gerar eficiência e produtividade para trabalhar.
Pouca gente sabe que o presidente do Google Brasil é de Vitória. Costuma visitar a capital capixaba? Qual é sua relação com o Estado hoje? Minha relação com o Espírito Santo é de carinho por causa da minha família, que mora aqui. Eu sai de Vitória em 1980, tem 35 anos, para estudar no Rio de Janeiro, eu buscava poder ir para os Estados Unidos, o que acabei conseguindo. Mas eu sempre tive muito carinho pelo Espírito Santo. Morei aqui durante 16 anos e depois que me formei fiquei um ano em Vitória como engenheiro de obra. Foi aí que percebi que a engenharia era legal, mas o que eu gostava era administração de recursos, projetos, financeiro. E foi aí que voltei para o Rio para fazer um mestrado e o que me levou para os Estados Unidos para fazer outra pós-graduação em Harvard. A minha relação com o Espírito Santo é de carinho e distância. Hoje sou casado, minha mulher é colombiana e minhas filhas, americanas. O Espírito Santo é como um porto seguro para mim. É uma referência. É muito gostoso estar em Vitória.
Como foi a trajetória do senhor desde quando saiu do Espírito Santo até se tornar presidente do Google Brasil? Onde estudou e como conseguiu as oportunidades? Meu pai é engenheiro e minha referência era engenharia. Naquela época eu não tinha maturidade nem visão para entender outras profissões. Entrei na faculdade com 16 anos e quando comecei a trabalhar com Engenharia acabei entendendo que eu deveria migrar para Administração e acabei fazendo mestrado em Administração lá na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e depois ganhei uma bolsa para ir para os Estados Unidos, para estudar e trabalhar na Gilette. Eu queria mesmo trabalhar em finanças, mas comecei a conhecer no meio do caminho outra disciplina que era o marketing. Então, pela Gilette, depois de 2 anos em Boston, voltei para o Brasil, fui trabalhar em marketing e vendas, e sempre que fazia alguma coisa profissionalmente, queria fazer alguma coisa ligada a Vitória. Fui trabalhar em vendas por um ano na Gilette, e ganhei um território de vendas que ia do Rio de Janeiro até o Norte do Espírito Santo, então eu vendia no Ferreirão, no Schneider, nos supermercados todos, nas papelarias da Praia do Canto, na Gecore. Eu era vendedor de lâmina de barbear e de caneta Paper Mate. Fiz isso por um ano e vinha a Vitória uma vez por mês.
O cara que saiu de Harvard e virou vendedor de caneta em Vitória, imagina. Eu encarava isso como experiência, tem que ter humildade para fazer isso e perseverança. Fiquei no marketing da Gilette mais alguns anos e fui para a Quaker, apostei que uma coisa nova ia acontecer, o Brasil estava num momento geração saúde, e lancei um produto novo no Brasil, o Gatorade. Fiquei 5 anos lá e virei diretor da Quaker no Brasil. De vendedor de caneta a diretor de marketing da Quaker em 7 anos. Depois apareceu a chance de trabalhar no Citibank, e naquele momento quase não aceitei. Pensei: não entendo nada de banco como vou trabalhar num banco? Mas eles queriam isso, alguém que tivesse uma visão de negócios, de marketing, de clientes, para ser diretor de marketing do Citi. Trabalhei no Citi três anos e meio, aprendi o que é banco e sistema financeiro, tive uma visão de cartão de crédito, financeiro, investimentos.
E você lida com um marketing diferente, o marketing de informação, você começa a entender que baseado no comportamento do cliente você tem muitos dados. E me apaixonei pelo marketing do entendimento do usuário, de dados quantitativos, e oferecer produtos a partir do comportamento. Ali atrás começou minha paixão de usar a informação para oferecer os melhores produtos para o usuário. Em 1999, o Brasil estava explodindo no âmbito das telecomunicações, e eu entrei já para ser vice-presidente da BCP, que hoje em dia é a Claro, que era o mesmo conceito – usar o dado dos usuários para entender como prestar um bom serviço e ganhar mais dinheiro, oferecendo soluções a partir das necessidades do usuário. Em 2001, eles me levaram para os Estados Unidos, para trabalhar na Bell South, dona da BCP, onde fiquei até 2009. Só voltei ao Brasil para passar um ano no IG e depois para entrar no Google, estou lá há 4 anos e meio. Conheci o Google em 2004, quando estava nos Estados Unidos. Em 2004, a Bell South vendeu as operações na América Latina e eu fiquei sem função.
Mas como eles gostavam de mim, me deram uma operação da empresa que era muito pequenininha, um negócio de internet da Bell South e eu virei presidente. Eu percebi que o negócio não sobreviveria sozinho, e que o melhor era tentar buscar parceiros. Eu assinei três contratos: um com o Yahoo, que era o grandão, um com a Microsoft e MSN, e um com o Google, o menorzinho. E aí comecei a ter que ir para a Califórnia, o negócio faturava 78 milhões de dólares, era pequeno, tinha uma equipe de venda que fazia negócio gerando publicidade para a Bell South e esses três parceiros. Cinco anos de depois em 2009, esse negócio faturava 1 bilhão, surfei a onda da internet crescendo e fiz os acordos certos. Ia no Google a cada mês e conheci aquele negócio achando fantástica a empresa, só que é muito difícil entrar no Google nos Estados Unidos. Você compete com os melhores das universidades americanas. É um ambiente duro para eu competir, às vezes o Google me chamava, me entrevistava, e sobrava eu e outra pessoa que tinha mestrado, doutorado, e tudo.
Em 2006, fui ver a Copa da Alemanha com meu pai e meu sogro, rodando a Alemanha de carro, e eu percebi que queria que minhas filhas tivessem mais conhecimento do Brasil, e percebi depois de tantos anos fora que queria voltar para cá. Só que quando você está nos EUA, bem empregado e bem estabelecido, e além de tudo sua família não é brasileira, não é um processo trivial. Em 2006, quando a gente se despediu no Aeroporto de Dusseldorf eu disse que voltaria, não sabia quando, e isso durou 3 anos e meio. Ia vendo se aparecia alguma coisa, e em 2009 me chamaram para voltar para o IG para ser presidente do negócio de internet dele. Passou pouquinho tempo, os caras do Google descobriram que eu estava no Brasil e me contrataram dentro do Google como presidente para o Brasil. Eu não sou o único vice-presidente do Google Inc, são vários, e mostra como o Brasil está crescendo na internet e como nesses quatro anos e meio eu tive liderança dessa operação, que é uma das melhores operações do Google. Ao mesmo tempo é um reconhecimento da liderança, do trabalho feito, e da oportunidade, que eles enxergam que vem para o Brasil para os próximos anos.
O Brasil está num momento complicado, está passando por um freio de arrumação, está havendo um questionamento crítico sobre ações e decisões que foram tomadas no passado e merecem revisão, mas o Brasil tem fundamentos sólidos, é só questão de tomarmos decisões certas enquanto país. Com a população desse tamanho e com a distribuição de riqueza que melhorou muito nos últimos 20 anos, se a gente investir em educação, melhoramento do padrão ético do ambiente de negócios em geral, se investir numa digitalização, tornar o governo mais eficiente e educar o povo de uma maneira mais ampla - e a economia digital tem um papel fundamental na formação desse novo cidadão conectado, engajado, preparado - a gente está fazendo um papel complementar de desenvolver um ecossistema de negócios mais saudável, a gente tem condições de sair dessa de uma maneira bem legal e continuar sendo um país com bastante pujança. O Brasil tem seus defeitos, a gente não pode achar que está tudo bem porque não está, a gente está vendo arrocho salarial, dificuldades, mas ao mesmo tempo o Brasil tem recursos naturais, tem uma população empreendedora, uma posição geográfica espetacular, tem um povo bacana, a questão é trabalhar nos elementos certos.
Da Gazeta Online
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